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CASO DOS CAMAROEIROS

Gavias SliderLayer - CASO DOS CAMAROEIROS

  • A REPARAÇÃO | CASE
    A cadeia da pesca
    da Praia do Suá
    perdeu até 85% da renda

Com o rompimento da Barragem do Fundão, a lama de rejeitos de mineração percorreu os cursos dos rios do Carmo e Gualaxo do Norte, até alcançar a foz do Rio Doce, em Linhares (ES). Contaminou o ecossistema marinho do oceano Atlântico e comprometeu significativamente a cadeia produtiva da pesca do camarão, que inclui além de pescadores, mestres e donos das embarcações, toda infraestrutura de apoio, de fornecimento e de comércio do Terminal Público de Pesca da Enseada do Suá, localizado em Vitória (ES).

Desse terminal partiam as embarcações baleeiras e timbatibas usadas no litoral capixaba para captura do camarão na foz do Rio Doce, antes da atividade ser interrompida em razão do desastre. Em fevereiro de 2016, a pesca foi proibida entre Barra do Riacho (parte do município de Aracruz/ES) e Degredo (parte do município de Linhares/ES), por meio da Ação Civil Pública estabelecida a partir de decisão judicial baseada na ACP Nº 0002571-13.2016.4.02.5004/ES, devido aos riscos ao meio ambiente e à saúde humana causados pela chegada da lama de rejeitos nessa região.

Foto: José Cruz/Agência Brasil

“Onde o Rio Doce deságua tem um pesqueiro chamado viveiro. Nossa lama, onde o camarão-sete-barbas fica, é da mais ricas do mundo. Só que está tudo com minério.”

O processo de indenização

As negociações visando reparar os danos provocados à atividade de pesca na Praia do Suá foram iniciadas em 2019, com participação de trabalhadores, empregadores, sindicato, Fundação Renova e representantes das instituições de Justiça, que chegaram, naquela época, a um acordo de pagamento de indenização.

Entretanto, as negociações iniciais consideraram apenas as atividades embarcadas da pesca, deixando de fora os grupos pré-pesca e pós-pesca, que fazem parte da cadeia produtiva desembarcada e também tiveram suas atividades econômicas comprometidas pelo desastre.

Foto: José Cruz/Agência Brasil

A demanda pelo presente levantamento aconteceu em decorrência de articulações entre Defensoria Pública do Espírito Santo, o Ministério Público Federal e o Sindicato dos Pescadores Profissionais, Artesanais, Aquicultores, Marisqueiros, Criadores de Peixes e Atividades afins na área da pesca do Espírito Santo (Sindpesmes), uma vez que o acordo obtido gerou indenizações apenas para uma parcela das pessoas atingidas, em especial aquelas que trabalham embarcadas.

O Projeto Rio Doce encarregou-se então de analisar a cadeia produtiva completa da pesca de camarão, identificar e mensurar os possíveis danos do desastre sobre segmentos excluídos da cadeia embarcada, e, portanto, não contemplados pelo acordo de reparação negociado em 2019. E, a partir das conclusões do estudo, oferecer subsídios e parâmetros ao processo de reparação levando em consideração toda essa cadeia.

A escuta das pessoas atingidas

Para chegar aos resultados, a equipe do Projeto Rio Doce realizou o diagnóstico socioeconômico a partir de diálogos com as pessoas atingidas, identificando especificidades do território, danos sofridos, preocupações e expectativas.

A pesquisa foi estruturada com base na segmentação de grupos de ofícios por ramo de atividade econômica, com a finalidade de realizar oficinas de escuta e interação. O primeiro segmento corresponde às atividades da cadeia produtiva desembarcada, intitulada pré-pesca, necessária à preparação das embarcações para a pesca do camarão e abrange serviços de fornecimento de materiais e insumos, de apoio e estruturação. O segmento intitulado pós-pesca diz respeito à infraestrutura de comercialização decorrente da pesca do camarão.

Fluxo da cadeia produtiva da pesca de camarão da praia do Suá

O trabalho foi realizado com foco nas pessoas atingidas, sendo orientado por métodos de pesquisa participativa dentro de uma abordagem interdisciplinar. Seguindo essa diretriz, a equipe do Projeto Rio Doce organizou oficinas presenciais e online e entrevistas por telefone para obter informações sobre a cadeia da pesca em período anterior e posterior ao desastre.

Dimensões temáticas dos danos socioeconômicos identificados
Fonte: elaboração própria (2020)

“Queda total no padrão de vida.

Eu tinha carro, não tenho mais.

Minha esposa fazia faculdade e teve que trancar para trabalhar.

Tive que tirar filho de escola particular.”

“Quando imprensa divulga que está contaminado, ninguém mais quer comprar. Os restaurantes e outros compradores deixaram de comprar o camarão sete barbas. Caiu demais o comércio.”

A renda da pesca despencou

O desastre e a consequente proibição da pesca nos arredores de Vitória (ES) provocaram redução de 33% a 85% da renda dos profissionais ligados à atividade camaroeira no período avaliado - entre novembro de 2015 e dezembro de 2019.

Identificou-se que a situação imposta aos atingidos em decorrência do desastre levou à diminuição do padrão de vida, incluindo mudanças de hábitos, práticas alimentares e de consumo em geral, desestruturando o valor imaterial constituído pelas redes comunitárias. Some-se a isso a insegurança sobre o futuro de suas profissões e vidas, abalando projetos pessoais e coletivos, o que reverbera também na saúde mental dos impactados pelo desastre. Abaixo estão elencadas as perdas relacionadas à renda dos trabalhadores da cadeia da pesca, ressaltando-se que os danos identificados pelas equipes do Projeto Rio Doce não se limitam a isso, como é possível verificar no relatório completo sobre o caso.

Administrador/ frentista/ operador de gelo

Auxiliar de carpintaria/ redeiro/ vidraceiro

Beneficiamento de camarão - mecânico

Calafate/ Torneiro/ Eletricista

Carpinteiro

Comprador/vendedor – camarão beneficiamento manual

Comprador/vendedor – camarão beneficiamento mecânico

Comprador/vendedor – fauna acompanhante e limpador/marisqueira – beneficiamento manual

Estiva - empregado

Fornecedores de materiais, insumos e diversos

Limpador/marisqueira – beneficiamento mecânico

Mecânico

Pintor

Pregoeiros/ Estivador autônomo

Soldador/ Mergulhador

Fonte: Elaboração própria FGV,com base na Classificação de Ocupações Para Pesquisas Domiciliares (COD)

Rendimento médio mensal de todas as atividades: Uma característica da cadeia da pesca da Praia do Suá, apesar de diferentes grupos e ofícios envolvidos, muitas vezes uma mesma pessoa realiza trabalhos distintos, acumulando mais de uma fonte de renda.

“Com o rompimento da barragem, a produção de pesca caiu, aí diminuiu trabalho para todo mundo. O apoio trabalha menos e ganha menos. O porto ficou muito vazio, e a gente depende do movimento. Mais ou menos 20% do valor da pescaria seria para manutenção. Mas hoje esse é o lucro, por venda baixa. Então não sobra para manutenção. Hoje só pedem serviço de reparação nos barcos quando está no limite.”

Considerando a diversidade de danos socioeconômicos sofridos, o Projeto Rio Doce recomendou adotar um amplo leque de medidas reparatórias, incluindo a indenização por danos materiais (lucros cessantes e danos emergentes) e imateriais (danos morais individuais e coletivos, dano existencial, dano ao projeto de vida, dano social e dano estético), assim como medidas de reparação não indenizatória, com medidas de restituição, reabilitação, garantias de não repetição e outras obrigações. Medidas que podem ser adotadas de forma cumulativa e devem considerar todos os danos socioeconômicos identificados.