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PREMISSAS METODOLÓGICAS

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  • PREMISSAS METODOLÓGICAS
    A centralidade das
    pessoas atingidas

O trabalho do Projeto Rio Doce para diagnosticar os danos socioeconômicos causados pelo rompimento da Barragem de Fundão, estabelecer estratégia para a reconstrução e rever os processos de remediação em andamento foi baseado em premissas, entre as quais se destacam:

Centralidade das pessoas atingidas

Independência
Técnica

Participação
Social

Abordagem em Direitos Humanos

Valoração
Integrada

Reparação
Integral

Incertezas das
Estimativas

Causalidade

Como abordagens metodológicas para o desenvolvimento do projeto, foram adotadas a Avaliação de Impacto em Direitos Humanos (AIDH), a Avaliação de Impacto Social, a Valoração Não Monetária, a Modelagem Econômica e a Avaliação de Impacto Quantitativa por meio de Métodos Econométricos e Métodos Epidemiológicos. Os trabalhos realizados seguiram como protocolos e referências para lidar com desastres a Avaliação das Necessidades Pós-Desastre (PDNA).

Abordagem Baseada em Direitos Humanos (ABDH)

A Organização das Nações Unidas (ONU) reconhece que desastres representam uma perturbação da ordem social, com graves impactos nos direitos humanos, que se relacionam à exposição, vulnerabilidade e capacidade de reação das pessoas atingidas.

Além disso, ainda conforme a ONU, os processos de mitigação e reparação dos impactos de desastres devem respeitar o direito à informação, à participação e à não-discriminação das comunidades atingidas.

ATRIBUTOS ESSENCIAIS DA ABORDAGEM BASEADA EM DIREITOS HUMANOS (ABDH)
Foto: José Cruz/Agência Brasil

Políticas e programas de desenvolvimento (ou de reparação de desastres) devem ser formulados com o objetivo de promover os direitos humanos.

A Abordagem Baseada em Direitos Humanos (ABDH) identifica titulares de direitos e detentores de deveres, buscando construir as capacidades dos primeiros para reivindicar os seus direitos e dos últimos para cumprir com as suas obrigações.

Princípios e parâmetros extraídos de tratados internacionais de direitos humanos devem guiar todas as fases do planejamento e do desenvolvimento (ou, nesse caso, todas as fases de um desastre).

Foto: José Cruz/Agência Brasil
Foto: José Cruz/Agência Brasil

Ao adotar uma Abordagem Baseada em Direitos Humanos (ABDH), o Projeto Rio Doce definiu princípios operacionais para o desenvolvimento de suas pesquisas e diagnósticos, como a universalidade, a indivisibilidade e a interdependência desses direitos. A participação das pessoas e comunidades atingidas nos processos de remediação e reparação foi outro aspecto norteador dos trabalhos, assim como a não-discriminação de qualquer tipo de grupo entre os impactados, principalmente aqueles mais vulneráveis, como negros, mulheres e etnias indígenas. A transparência, prestação de contas e tempestividade também foram fatores fundamentais considerados.

Desastres frequentemente reduzem ou aniquilam a capacidade das comunidades atingidas de prover seu sustento e bem-estar. Famílias repentinamente ficam sem suas casas, perdem a fonte de renda e outros meios de subsistência. Têm o seu acesso à água interrompido e encontram dificuldade de acesso a bens e serviços necessários e até essenciais à vida. Foi o que aconteceu no desastre provocado pelo rompimento da barragem de Fundão.

A onda de rejeitos soterrou bairros e deixou centenas de famílias desabrigadas. Atividades econômicas foram interrompidas, eliminando a renda da força de trabalho empregada. A contaminação de lavouras e das águas da bacia do Rio Doce e da região estuarina, costeira e marítima do Espírito Santo interrompeu a agricultura e a pesca, acabando com a fonte de alimentação, de renda e de redes de trocas de milhares de famílias.

Abordagem Socioterritorial

A fim de observar a premissa de centralidade das pessoas atingidas, a identificação de danos nos territórios atingidos partiu de uma abordagem socioterritorial calcada em quatro pilares:

AVALIAÇÃO DE IMPACTO SOCIAL

A Avaliação de Impacto Social (AIS) implica nas diferentes formas, legalmente requeridas ou voluntárias, com que governos e outros agentes compreendem impactos sociais e desenvolvem ações. Trata-se da estrutura que incorpora a avaliação de impactos em indivíduos e sociedades, sempre relacionada às formas como esses sujeitos interagem com o meio biofísico, econômico e sociocultural. Atualmente são considerados dois grandes preceitos de boas práticas relacionadas à AIS:

1. O entendimento de que “um impacto é inevitavelmente algo experimentado ou sentido”1, o que implica que a avaliação de impacto social dependa impreterivelmente de processos participativos que captem experiências e/ou expectativas e receios

2. Processos de mudança social são sentidos com diferentes implicações por agrupamentos distintos: famílias, comunidades, grupos sociais, instituições e a sociedade em sentido mais amplo2, considerando a diversidade de percepções e de intensidade de impactos, demandando investigação aprofundada e multidimensional sobre os modos de vida, transformação que revela danos socioeconômicos frente ao contexto sócio-histórico, revelando impactos cumulativos e estratégias sociais de recuperação pós-desastre da qual também derivam impactos3.

1 VANCLAY, F. Conceptualizing social impacts. Environmental Impact Assessment Review, v. 22, n. 1, p. 183-211, 2002.

2 LAWRENCE, D. P. Impact assessment: practical solutions to recurrent problems and contemporary challenges. 2. ed. Nova Jersey: Wiley & Sons Inc., Hoboken, New Jersey, 2013.

3 VANCLAY, F. et al. Social impact assessment: guidance for assessing and managing the social impacts of projects. Fargo, Dacota do Norte: International Association for Impact Assessment, 2015.

MODOS DE VIDA

A concepção de modo de vida preza tanto pelas diferentes práticas cotidianas, no lazer, trabalho, consumo, vida familiar, crenças, entre outras, quanto pelas relações que o conjunto dessas práticas estabelece com contextos sociais mais amplos4. Preocupa-se com o momento presente, mas também com as transformações decorrentes do curso do tempo e perspectivas de futuro de determinado grupo social. Modos de vida evidenciam mudanças e permanências culturais, experiências de tempo e espaço, abordam o viver e o vivido, as dimensões mais objetivas das práticas sociais e aquelas mais subjetivas, que compõem o cotidiano, saberes, fazeres e perspectivas das populações.

4 GUERRA, I. Modos de vida: novos percursos e novos conceitos. Sociologia: Problemas e Práticas, n. 3, p. 59-74, 1993. 

TERRITORIALIDADES

A territorialidade corresponde à espacialização de relações sociais, econômicas, culturais e políticas dos indivíduos e comunidades e se efetiva cotidianamente em diferentes dimensões, envolvendo, por exemplo, o trabalho, o lazer, a família, espaços coletivos e comunitários, sempre de maneira múltipla e hibrida5 6. Ela é proveniente de interações, usos e apropriação material e simbólica do território, de forma relacional e dinâmica, alterando-se no tempo e espaço conforme as características dos grupos sociais.

5 SAQUET, M. A. Por uma abordagem territorial. In: SAQUET, M.; SPOSITO, E. Territórios e territorialidades, teorias, processos e conflitos. São Paulo: Expressão Popular, 2009.  

6 SAQUET, Marcos. Abordagens e concepções de território. São Paulo: Expressão popular, 2007. 

PARTICIPAÇÃO SOCIAL

A existência e a gradação de participação social em processos de avaliação de impacto, reparação de desastres, licenciamento ambiental, entre outros, revela se e o quanto autoridades ou grupos de poder político tomam decisões considerando ou não a posição dos diferentes grupos sociais interessados7. A participação pode catalisar um processo de transformação social ao se revelar educativa, promotora de processos de formação e conscientização pessoal e coletiva.

7 PRIETO, M. e ALUJAS, Á. R. (2014). Caracterizando la participación ciudadana en el marco del Gobierno Abierto. Revista del CLAD Reforma y Democracia 58, p. 61-100, Principles for Social Impact assessment. Impact Assessment and Project Appraisal, 21(1), p 5-11.

Parâmetros a serem adotados por empresas no contexto de desastres

A reconstrução que busca apenas o retorno das pessoas à situação em que se encontravam no momento anterior pode recriar e agravar o risco de exposição e vulnerabilidades pré-existentes, fazendo com que essas pessoas também experimentem os efeitos do desastre de forma mais acentuada. Assim, as fases de recuperação, reabilitação e reconstrução depois de um desastre devem ser usadas para aumentar a resiliência do território e das populações atingidas por meio da integração de medidas de redução de riscos de desastres na restauração dos sistemas de infraestrutura física e social e na revitalização dos modos de vidas, economia e meio ambiente.

A resposta e reconstrução em caso de desastre deve considerar uma Abordagem Baseada em Direitos Humanos (ABDH). Considerar os direitos humanos na resposta e reconstrução em caso de desastre pressupõe (i) que se busque a efetivação dos direitos humanos em sua dimensão substantiva (ii) que se identifique titulares de direitos e detentores dos deveres correlatos, construindo capacidades para que os primeiros reivindiquem seus direitos e para os últimos cumpram com suas obrigações; e (iii) a adoção de princípios baseados nos direitos humanos e na sua efetivação, tais como a participação e consulta às pessoas atingidas, a não-discriminação, a prestação de contas, a tempestividade e a transparência.

Logo após de se tomar conhecimento do desastre, deve-se adotar medidas de resposta para atender a necessidades imediatas e de curto prazo das pessoas atingidas, visando à proteção de suas vidas, sua segurança e integridade física, além da proteção dos direitos relacionados à provisão de alimento, saúde, abrigo, educação, movimento e do cuidado com documentos.

Medidas emergenciais a serem adotadas na etapa de resposta não se confundem com medidas reparatórias, adotadas nas etapas de reconstrução. No contexto de desastres envolvendo empresas, assegurar a proteção e a não perpetuação ou agravamento de impactos adversos de modo emergencial é obrigação não só das instâncias governamentais, mas também das empresas responsáveis. Isso, porém, não elide ou relativiza o seu dever de reparar todos os impactos decorrentes do desastre com base nos parâmetros para a reconstrução de desastres e remediação dos impactos adversos sobre direitos humanos.

A reconstrução em caso de desastre, considerando-se o princípio da "Reconstrução Melhor", deve conduzir o processo de recuperação de áreas atingindas de forma que:

  1. não sejam reproduzidas situações de opressão ou vulnerabilidade que existiam no pré-desastre;
  2. sejam prevenidos e mitigados riscos de desastres presentes e futuros, e gerenciados os riscos residuais;
  3. promova-se a recuperação psicossocial e econômica das comunidades, bem como a recuperação do meio ambiente, e
  4. que essas medidas sejam implementadas de forma efetiva, por meio de um processo participativo e informado, contribuindo para o fortalecimento da resiliência e, portanto, para a conquista do desenvolvimento sustentável.

Em curto, médio e longo prazos, o monitoriamento e a avaliação das medidas de resposta e reconstrução (incluindo a reparação de dados) no caso de um desastre devem ser realizados a fim de garantir a sua compatibilidade com parâmetros internacionais em gestão de desastres e em direitos humanos.

Por se tratar de desastre tecnológico envolvendo empresas, o caso do Rio Doce pressupõe a aplicação dos parâmetros internacionais que regem a responsabilidade de empresas por impactos adversos sobre os direitos humanos, notadamento os POs, além dos parâmetros voltados a garantir a ABDH na resposta e reconstrução de desastres.

A responsabilidade de respeitar os direitos humanos, conforme estabelecem os POs, compreende a obrigação das empresas de prevenir riscos de suas atividades e operações e remediar impactos adversos e abusos e direitos com os quais tenha algum envolvimento.

A remediação refere-se aos processos de mitigação de impactos e de reparação de todos os danos causados, assim como os resultados substantivos que possam neutralizar ou mitigar o impacto adverso e reparar o dano. Os processos e os resultados de remediação devem respectivamente respeitar e realizar os direitos humanos.

Os resultados de remediação podem assumir várias formas, como pedidos de desculpas, restituição, reabilitação, compensação financeira ou não financeira e sanções punitivas (criminais ou administrativas, como multas), bem como a prevenção de danos, por exemplo, injunções ou garantias de não repetição.

Para que sejam efetivos, os mecanismos de remediação voltados à reparação dos danos, devem ser legítimos, acessíveis, previsíveis, equitativos, transparentes, compatíveis com os direitos humanos, baseados em constante diálogo e engajamento, além de uma fonte contítnua de aprendizado para aprimoramento do próprio mecanismo.

Observada a centralidade das pessoas atingidas no processo de remediação significa garantir que os mecanismos de remediação:

  1. devem ser responsivos às experiências e expectativas das pessoas atingidas;
  2. devem ser acessíveis adequados e céleres e a julgar pelas necessidades das pessoas atingidas;
  3. não devem gerar temor de vitimização nas pessoas atingidas;
  4. devem oferecer diferentes formas de reparação às pessoas atingidas;
  5. devem viabilizar a participação efetiva das pessoas atingidas;
  6. devem buscar equilibrar assimetrias existentes entre as pessoas atingidas e a empresa responsável pela reparação;
  7. devem dar às pessoas atingidas o acesso às informações necessárias sobre seus direitos; e
  8. devem ser acessíveis de forma não discriminatória.

Grupos vulneráveis e em situação de vulnerabilidade tendem a sofrer os piores impactos e danos em caso de desastre, sendo alto o risco de irremediabilidade dessas situações em caso de derrota. Com o objetivo de identificar situações vulneráveis e tratá-las, são fatores relevantes:

Discriminação: quais os preconceitos, exclusão ou maus-tratos que as pessoas enfrentam com base em um ou mais aspectos de sua identidade (auto-definida ou presumida, incluindo gênero, etnia, idade, classe social, deficiência, orientação sexual, religião, nacionalidade, status migratório, etc).

Geografia: quem enfrenta isolamento, vulnerabilidade, exposição a riscos, falta ou serviços públicos inferiores, transporte, internet ou outras falhas de infra-estrutura devido ao seu local de residência.

Governança: onde as pessoas enfrentam desvantagens devido a instituições globais, nacionais e/ou subancionais ineficazes, injustas, sem controle social e não responsivas? Quem é afetado por leis, políticas, processos ou orçamentos injustos e inadequados? Quem é menos capaz ou mesmo incapaz de influenciar ou participar de forma signifiticativa nas decisões que os afetam?

Status socioeconômico: quem enfrenta privações ou desvantagens em termos de renda, expectativa de vida e realização educacional? Quem tem menos chance de se manter saudável, nutrido e educado? Competir no mercado de trabalho? Adquirir riqueza e/ou usufruir de cuidados de saúde de qualidade, água limpa, saneamento, energia, proteção social e serviços financeiros?

Exposição a choques: quem está mais exposto a contratempos devido aos impactos das alterações climáticas, riscos naturais, desastres, violência, conflitos, deslocamentos, emergências de saúde, crises econômicas, aumento de preços ou outros choques?