PREMISSAS METODOLÓGICAS
Políticas e programas de desenvolvimento (ou de reparação de desastres) devem ser formulados com o objetivo de promover os direitos humanos.
A Abordagem Baseada em Direitos Humanos (ABDH) identifica titulares de direitos e detentores de deveres, buscando construir as capacidades dos primeiros para reivindicar os seus direitos e dos últimos para cumprir com as suas obrigações.
Princípios e parâmetros extraídos de tratados internacionais de direitos humanos devem guiar todas as fases do planejamento e do desenvolvimento (ou, nesse caso, todas as fases de um desastre).
A reconstrução que busca apenas o retorno das pessoas à situação em que se encontravam no momento anterior pode recriar e agravar o risco de exposição e vulnerabilidades pré-existentes, fazendo com que essas pessoas também experimentem os efeitos do desastre de forma mais acentuada. Assim, as fases de recuperação, reabilitação e reconstrução depois de um desastre devem ser usadas para aumentar a resiliência do território e das populações atingidas por meio da integração de medidas de redução de riscos de desastres na restauração dos sistemas de infraestrutura física e social e na revitalização dos modos de vidas, economia e meio ambiente.
A resposta e reconstrução em caso de desastre deve considerar uma Abordagem Baseada em Direitos Humanos (ABDH). Considerar os direitos humanos na resposta e reconstrução em caso de desastre pressupõe (i) que se busque a efetivação dos direitos humanos em sua dimensão substantiva (ii) que se identifique titulares de direitos e detentores dos deveres correlatos, construindo capacidades para que os primeiros reivindiquem seus direitos e para os últimos cumpram com suas obrigações; e (iii) a adoção de princípios baseados nos direitos humanos e na sua efetivação, tais como a participação e consulta às pessoas atingidas, a não-discriminação, a prestação de contas, a tempestividade e a transparência.
Logo após de se tomar conhecimento do desastre, deve-se adotar medidas de resposta para atender a necessidades imediatas e de curto prazo das pessoas atingidas, visando à proteção de suas vidas, sua segurança e integridade física, além da proteção dos direitos relacionados à provisão de alimento, saúde, abrigo, educação, movimento e do cuidado com documentos.
Medidas emergenciais a serem adotadas na etapa de resposta não se confundem com medidas reparatórias, adotadas nas etapas de reconstrução. No contexto de desastres envolvendo empresas, assegurar a proteção e a não perpetuação ou agravamento de impactos adversos de modo emergencial é obrigação não só das instâncias governamentais, mas também das empresas responsáveis. Isso, porém, não elide ou relativiza o seu dever de reparar todos os impactos decorrentes do desastre com base nos parâmetros para a reconstrução de desastres e remediação dos impactos adversos sobre direitos humanos.
A reconstrução em caso de desastre, considerando-se o princípio da "Reconstrução Melhor", deve conduzir o processo de recuperação de áreas atingindas de forma que:
- não sejam reproduzidas situações de opressão ou vulnerabilidade que existiam no pré-desastre;
- sejam prevenidos e mitigados riscos de desastres presentes e futuros, e gerenciados os riscos residuais;
- promova-se a recuperação psicossocial e econômica das comunidades, bem como a recuperação do meio ambiente, e
- que essas medidas sejam implementadas de forma efetiva, por meio de um processo participativo e informado, contribuindo para o fortalecimento da resiliência e, portanto, para a conquista do desenvolvimento sustentável.
Em curto, médio e longo prazos, o monitoriamento e a avaliação das medidas de resposta e reconstrução (incluindo a reparação de dados) no caso de um desastre devem ser realizados a fim de garantir a sua compatibilidade com parâmetros internacionais em gestão de desastres e em direitos humanos.
Por se tratar de desastre tecnológico envolvendo empresas, o caso do Rio Doce pressupõe a aplicação dos parâmetros internacionais que regem a responsabilidade de empresas por impactos adversos sobre os direitos humanos, notadamento os POs, além dos parâmetros voltados a garantir a ABDH na resposta e reconstrução de desastres.
A responsabilidade de respeitar os direitos humanos, conforme estabelecem os POs, compreende a obrigação das empresas de prevenir riscos de suas atividades e operações e remediar impactos adversos e abusos e direitos com os quais tenha algum envolvimento.
A remediação refere-se aos processos de mitigação de impactos e de reparação de todos os danos causados, assim como os resultados substantivos que possam neutralizar ou mitigar o impacto adverso e reparar o dano. Os processos e os resultados de remediação devem respectivamente respeitar e realizar os direitos humanos.
Os resultados de remediação podem assumir várias formas, como pedidos de desculpas, restituição, reabilitação, compensação financeira ou não financeira e sanções punitivas (criminais ou administrativas, como multas), bem como a prevenção de danos, por exemplo, injunções ou garantias de não repetição.
Para que sejam efetivos, os mecanismos de remediação voltados à reparação dos danos, devem ser legítimos, acessíveis, previsíveis, equitativos, transparentes, compatíveis com os direitos humanos, baseados em constante diálogo e engajamento, além de uma fonte contítnua de aprendizado para aprimoramento do próprio mecanismo.
Observada a centralidade das pessoas atingidas no processo de remediação significa garantir que os mecanismos de remediação:
- devem ser responsivos às experiências e expectativas das pessoas atingidas;
- devem ser acessíveis adequados e céleres e a julgar pelas necessidades das pessoas atingidas;
- não devem gerar temor de vitimização nas pessoas atingidas;
- devem oferecer diferentes formas de reparação às pessoas atingidas;
- devem viabilizar a participação efetiva das pessoas atingidas;
- devem buscar equilibrar assimetrias existentes entre as pessoas atingidas e a empresa responsável pela reparação;
- devem dar às pessoas atingidas o acesso às informações necessárias sobre seus direitos; e
- devem ser acessíveis de forma não discriminatória.
Grupos vulneráveis e em situação de vulnerabilidade tendem a sofrer os piores impactos e danos em caso de desastre, sendo alto o risco de irremediabilidade dessas situações em caso de derrota. Com o objetivo de identificar situações vulneráveis e tratá-las, são fatores relevantes:
Discriminação: quais os preconceitos, exclusão ou maus-tratos que as pessoas enfrentam com base em um ou mais aspectos de sua identidade (auto-definida ou presumida, incluindo gênero, etnia, idade, classe social, deficiência, orientação sexual, religião, nacionalidade, status migratório, etc).
Geografia: quem enfrenta isolamento, vulnerabilidade, exposição a riscos, falta ou serviços públicos inferiores, transporte, internet ou outras falhas de infra-estrutura devido ao seu local de residência.
Governança: onde as pessoas enfrentam desvantagens devido a instituições globais, nacionais e/ou subancionais ineficazes, injustas, sem controle social e não responsivas? Quem é afetado por leis, políticas, processos ou orçamentos injustos e inadequados? Quem é menos capaz ou mesmo incapaz de influenciar ou participar de forma signifiticativa nas decisões que os afetam?
Status socioeconômico: quem enfrenta privações ou desvantagens em termos de renda, expectativa de vida e realização educacional? Quem tem menos chance de se manter saudável, nutrido e educado? Competir no mercado de trabalho? Adquirir riqueza e/ou usufruir de cuidados de saúde de qualidade, água limpa, saneamento, energia, proteção social e serviços financeiros?
Exposição a choques: quem está mais exposto a contratempos devido aos impactos das alterações climáticas, riscos naturais, desastres, violência, conflitos, deslocamentos, emergências de saúde, crises econômicas, aumento de preços ou outros choques?