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VIOLÊNCIA

Gavias SliderLayer - VIOLENCIA

  • VIOLÊNCIA
    Efeitos do desastre
    na violência doméstica
A investigação realizada pelas equipes do Projeto Rio Doce para averiguar potenciais impactos do desastre da Barragem de Fundão na incidência de ocorrências de violência entre a população atingida foi efetivada por meio de uma pesquisa focada na violência doméstica, no qual analisaram-se três bases de dados:
1  / 

Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do DATASUS;

2  / 

Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência – Ligue 180, que envolve o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos;

3  / 

Disque Denúncia 190, da Polícia Militar.

Esse estudo sobre violência doméstica também contou, em etapa qualitativa posterior, com a realização de entrevistas com servidores públicos em três municípios atingidos selecionados – Mariana (MG), Tumiritinga (MG) e Baixo Guandu (ES).

É importante observar que diversos estudos conduzidos internacionalmente apontaram que os desastres aumentam a sobrecarga doméstica de mulheres, agravam quadros de saúde mental, aumentam índices de violência doméstica e comunitária contra mulheres e ainda podem dificultar ou inviabilizar a denúncia dessas violências.

A fim de investigar o impacto do rompimento da Barragem de Fundão sobre a violência doméstica contra as mulheres nos municípios atingidos, foi elaborado um modelo lógico com relações hipotéticas entre o rompimento da Barragem de Fundão e o aumento da violência doméstica nas regiões atingidas. O modelo foi construído a partir de fontes documentais, incluindo outros estudos já realizados pela própria FGV e por outros experts, relatos de atingidos para o Sistema de Gestão de Stakeholders (SGS) da Fundação Renova (FR) e outros.

Modelo lógico de relação entre o desastre e um possível aumento de casos de violência doméstica nos municípios atingidos

A análise dos dados do Ligue 180 para os municípios de Minas Gerais e Espírito Santo considerou os dados referentes ao período de 2012 a 2018, especificamente a taxa de denúncias de violência contra mulher por 100 mil mulheres, neutralizando, desta forma, o impacto do tamanho da população feminina. Para traçar uma relação de causa e efeito entre a violência doméstica e o rompimento da barragem, foi necessário usar dois grupos de comparação compostos por municípios não atingidos e semelhantes a estes. Essa técnica permite observar o que teria acontecido na região se a barragem não tivesse se rompido.

Ao comparar a evolução média das denúncias entre esses grupos, foi possível notar que, até 2015, os três apresentam uma evolução similar, com pequenas variações. Após 2015, a evolução dos três também é semelhante, exceto entre 2017 e 2018, quando a média do indicador de impacto do grupo atingido apresenta um aumento bem acima da observada para os demais grupos.

Taxa média de denúncias de violência contra a mulher(*) – Ligue 180

Os resultados observados nas análises dos dois bancos de dados não indicam uma mudança sistemática na quantidade de denúncias de violência contra mulher após o rompimento da Barragem de Fundão, nos municípios atingidos. No entanto, há algumas evidências sugestivas de impacto, especialmente quando se consideram os resultados obtidos na análise pelos dados do Disque Denúncia.

Em relação à avaliação do banco de dados das notificações de agravos do DATASUS (SINAN), especificamente para a população feminina, as investigações apontaram que as incidências foram maiores para as populações atingidas em relação aos grupos de comparação. Ao analisar as notificações envolvendo vítimas mulheres, foi observado um aumento de 123,5% nas notificações em comparações ao período pré-rompimento. As notificações de casos de violência física representaram o tipo de violência com maior aumento depois do rompimento, chegando a 171,6% de diferença comparado ao período pré-rompimento, o que equivale a um aumento de 8,4 e 5,6 vezes mais notificações do que nos municípios de comparação.

Taxa média de denúncias filtradas de violência contra a mulher(*)

Complementarmente à análise quantitativa, a etapa qualitativa do estudo consistiu em 17 entrevistas realizadas com atores estatais (membros dos governos estaduais e do sistema de Justiça) e atores municipais (dos setores de saúde, segurança, justiça e assistência social) nos municípios de Mariana (MG), Tumiritinga (MG) e Baixo Guandu (ES). De uma maneira geral, os depoimentos mostraram uma percepção de aumento de violência doméstica, associado a uma série de fatores relacionados ao desastre, conforme a localidade.

Diferença percentual de incidências cumulativas de registros de violência (SINAN)

Em Mariana, o deslocamento forçado de famílias parece ter gerado novos conflitos intrafamiliares e comunitários, em particular relacionados à implementação dos programas reparatórios da Fundação Renova, como cadastro, auxílio financeiro emergencial e a indenização mediada. O mesmo ocorre se correlacionado o aumento da violência doméstica ao aumento do consumo de álcool e outras drogas, associado à perda do trabalho e ao comprometimento de projetos de vida e do lazer.

Os danos que surgiram em Mariana também foram relatados em outros municípios. Muitas famílias dependiam da atividade de pesca no Rio Doce e tiveram a subsistência e a renda prejudicadas. Muitos passaram a depender do auxílio financeiro oferecido pela Fundação Renova, o que gerou diversos conflitos relativos à distribuição dos recursos, principalmente pelo não reconhecimento da atividade produtiva realizada pelas mulheres e pela transferência do auxílio financeiro apenas para o “chefe de família”, o que
gerou dependência financeira.

“...o que aumentou é a violência doméstica. É muito tempo o casal junto e o marido sem fazer nada, sem trabalhar, o auxílio financeiro vem todo mês. Teve um aumento de violência doméstica e outras violências devido ao uso de drogas, álcool...”

“...muitos trabalhavam né e aí veio a indenização. Uma das coisas é que muitos não conseguiram mais emprego, não estavam mais diretamente naquele ofício diário. Acreditamos que seja por causa disso, ficar mais tempo em casa, gera novos conflitos aí. Muito parados, alcoolismo, uso de drogas aumentaram muito. As pessoas não estavam aptas a lidar com esse dinheiro que elas adquiriram né...”

“A violência doméstica teve um link com a questão do desastre no seguinte ponto: houve [...] indenização para os atingidos com o rompimento da barragem. E [...] essas indenizações iam para o grupo familiar e, muitas das vezes, esse grupo familiar, o titular dele, era um homem. E após o recebimento dessa importância, da indenização, o homem já mudava o perfil dele dentro da estrutura familiar. Aí acabou gerando a violência doméstica, acabou gerando o divórcio e para que a mulher pudesse ter acesso à parte que lhe cabia, já que a indenização era para o grupo familiar, ela teve de acionar Judiciário [...]”.

É importante ressaltar que os casos de violência contra a mulher relatados em canais como Ligue 180 ou Disque Denúncia, considerados no diagnóstico do Projeto Rio Doce, costumam não refletir com exatidão a totalidade dessas ocorrências. Inúmeros estudos apontam que este tipo de violência de gênero registra alto índice de subnotificação por motivações diversas, como medo, vergonha, presença do agressor no núcleo familiar ou comunitário, entre outros.