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REGIÃO ESTUARINA

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  • REGIÃO ESTUARINA
    O reconhecimento do
    litoral do ES como
    área atingida
Foto: José Cruz/Agência Brasil

O Projeto Rio Doce realizou estudos na região estuarina, costeira e marinha (RECM) do Espírito Santo no intuito de subsidiar os debates acerca de seu reconhecimento como atingida pelo desastre decorrente do rompimento da Barragem de Fundão.

Essa região abrange os municípios capixabas de Conceição da Barra, São Mateus, Linhares, Aracruz, Fundão e Serra e tem como principais atividades econômicas a pesca, a agricultura, a produção animal, a indústria e o turismo.

O rompimento da Barragem de Fundão é considerado o maior desastre socioambiental do Brasil em função da magnitude, multidimensionalidade e tempo de duração da destruição e consequências causadas aos ecossistemas e populações atingidas em diversos municípios dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo.

Apesar de o Comitê Interfederativo (CIF) ter reconhecido em 2017 a RECM do Espírito Santo como atingida, a extensão e magnitude da degradação ambiental na região litorânea do Espírito Santo vem sendo questionada pela Fundação Renova e empresas responsáveis pelo desastre. Isso deu início a um período de questionamentos jurídicos e administrativos.

MAPA DA ÁREA DE ESTUDO

Em setembro de 2020, a Fundação Renova apresentou sua negativa ao reconhecimento da RECM como atingida pelo desastre, com fundamento na sua interpretação de um estudo de uma consultoria chamada Tetra Mais. Após analisar o documento, o sistema de governança (CIF) emitiu nota técnica contestando a validade do estudo e do entendimento manifestado pela Fundação Renova. Foi nesse contexto que a FGV deu início aos estudos nessa região.

Foto: José Cruz/Agência Brasil

A partir do histórico das discussões realizadas no âmbito judicial e da governança, do arcabouço conceitual e normativo aplicável e dos demais dados e estudos existentes sobre o tema, a FGV concluiu que os argumentos apresentados pela Fundação Renova e pelas empresas são insuficientes para afastar o reconhecimento da RECM como atingida pelo desastre. Segundo constatações da FGV, o relatório da Fundação Renova carece de um olhar condizente com os princípios da centralidade das pessoas atingidas, do adequado tratamento das vulnerabilidades, da consideração dos riscos, da integralidade dos danos socioeconômicos e socioambientais potencialmente sofridos.

As evidências descritas e analisadas demonstram os danos sofridos e a necessidade do reconhecimento da RECM do Espírito Santo como atingida. Os danos tendem a ser agravados pela demora na adoção de respostas efetivas.

Atingidos pelo desastre

80% das 6.240 propriedades

inseridas no Cadastro Integrado gerido pela Fundação Renova têm atividades relacionadas às áreas contaminadas (destaque para as ligadas à economia do pescado)

Desemprego quadruplicou

(2.562 pessoas sem trabalho)

Queda de renda relatada pelos 18.140 moradores cadastrados:

R$ 11,6 milhões

 

Fonte: Cadastro Integrado / Fundação Renova (dados até 18/01/2021)

Alguns danos socioeconômicos identificados e seus aspectos imateriais

A partir do levantamento de dados secundários disponíveis para RECM foi possível identificar diversos danos socioeconômicos aos modos de vidas das pessoas atingidas. Esses danos foram divididos em dimensões temáticas, isto é, temas agrupados por similaridades, de forma não exaustiva, permitindo abordar aspectos materiais e imateriais de quatro dessas dimensões que se destacaram nos estudos realizados na região.

Renda, trabalho e subsistência

Consequências negativas para diversas atividades produtivas, com danos às cadeias produtivas da pesca artesanal, turismo, agropecuária e extrativismo.

Pesca

Pesca

Diminuição da renda de toda cadeia produtiva devido à proibição da pesca em área prioritária, à diminuição de espécies nas demais áreas e à maior dificuldade de escoamento da produção motivada pela insegurança em relação à qualidade da água e do pescado, o que gera insegurança em relação a seu consumo.

A pesca artesanal é significativa ao longo de todo o Rio Doce e região litorânea atingida pelo desastre.

Turismo

Turismo

Redução no fluxo de turistas, com receio em relação à contaminação da água, impactando a renda de toda estrutura de comércios e serviços ligados à atividade.

O Espírito Santo é dividido em 10 regiões turísticas, sendo duas dentro da RECM: a Rota do Verde e das Águas e a Rota do Sol e da Moqueca.

Agropecuária

Agropecuária

Diminuição da produtividade das plantações, mortandade de animais e perda de reservatórios de água naturais, redução do extrativismo para confecção de artesanato e para uso medicinal e religioso.

Na região encontramos comunidades de pescadores-lavradores, que unem a prática da pesca à agricultura familiar. Em parte da região há ainda a coleta de espécies vegetais para confecção de artefatos de trabalho e artesanato.

Alimentação

Interferência na alimentação da população local, relacionada aos impactos à fauna e à atividade pesqueira.

Grande desconfiança da população em geral relacionada aos alimentos que provêm do mar e rios locais, também identificada para as comunidades indígenas e quilombolas.

Estudo feito no município de Linhares, com 381 pessoas, revela que 98% dos entrevistados tinham no peixe ou marisco parte importante de sua dieta. A maioria (53,4%) afirmou consumir pescado de uma a três vezes por semana, enquanto 20% consumiam esses alimentos diariamente antes do desastre. Parte do pescado vinha da troca estabelecida entre parentes, vizinhos e amigos, o que impactou as relações sociais. Dados similares foram colhidos em outras comunidades da região.

Práticas culturais, religiosas e de lazer

Alterações compulsórias nos costumes, saberes, ofícios, crenças e valores das comunidades. Comprometimento da transmissão de conhecimentos sobre pesca artesanal, agricultura familiar, uso de plantas medicinais e artesanato entre gerações, entre outras perdas relacionadas à transmissão intergeracional de conhecimento.

Modificação na agenda cultural, manifestações culturais e na rede de relações, assim como nos espaços onde as festas e celebrações (de cunho religioso ou não) eram realizadas, levando as comunidades a um estado de tristeza e sofrimento social. Um exemplo é o Festival do Caranguejo, realizado desde 2000 em São Mateus, que reunia entre 6 e 7 mil pessoas para atividades culturais promovidas pelas comunidades de catadores, como jongo, congo e corrida de caranguejos. Em 2016, em decorrência do desastre, o festejo recebeu apenas 100 pessoas.

No Espírito Santo ocorreu o reconhecimento do primeiro bem imaterial registrado no Brasil: o modo de fazer panelas de barro, no município de Goiabeiras. Isso demonstra a importância das referências culturais fundadas na tradição e manifestadas por indivíduos ou grupos.

 

As técnicas de pesca, realizadas de forma empírica, são transmitidas entre membros das famílias das comunidades, que desenvolvem uma organização social a partir do compartilhamento do saber e da divisão do trabalho, estabelecendo enlaces sociais e modos de vida próprios, que foram em parte perdidos em função da contaminação da água e proibição da pesca em determinadas localidades.

Redes de relações sociais

Danos às redes de articulação social e cultural da RECM, com prejuízos às organizações sociais locais e aumento de conflitos familiares e comunitários, chegando a uma ruptura da estrutura social e comunitária.

Medo em relação ao futuro diante das alterações causadas pelo desastre.

Relação entre as dimensões temáticas destacadas

Fluxo migratório

Evolução dos saldos migratórios de estudantes por biênios e regiões atingidas

Para identificar e quantificar os deslocamentos populacionais intermunicipais, foram analisados microdados do Censo Escolar (Inep/MEC) para identificar as mudanças de escola realizadas por alunos do ensino fundamental das redes pública e privada dos municípios pertencentes à área atingida.

O estudo se baseia na pressuposição de que os estudantes residem no mesmo município da escola em que estão matriculados e, portanto, uma mudança entre escolas de municípios distintos corresponde a uma mudança na residência habitual da população analisada (estudantes de 6 a 14 anos de idade).

Nota-se que o litoral adjacente apresentou tendência clara de declínio do saldo migratório ao longo dos biênios, chegando a haver saldos negativos durante o período analisado. Ainda que no período imediatamente pré-rompimento (2013-15) tenha havido uma ruptura da tendência de declínio, no período imediatamente pós-rompimento (2015-17) observou-se um decréscimo ainda maior do saldo migratório. Ademais, é perceptível como o comportamento da área atingida como um todo (ilustrado pela linha sólida de cor cinza) é espelhado, ainda que com diferenças de nível, no padrão da evolução dos saldos migratórios do litoral adjacente. Nos dois últimos biênios analisados (2015-2017), observou-se que o saldo migratório e a taxa líquida de migração, que foram, respectivamente, 268 e 0,33% para o litoral adjacente, apresentaram queda e inversão de sinal no biênio seguinte, passando para -1.314 e - 1,67% no período pós-rompimento (2015-17). Essa variação decorre do aumento no número de emigrantes e da redução no número de imigrantes depois do rompimento nesse recorte regional.

Queda na renda agregada do litoral capixaba

Para os anos de 2015, 2016 e 2017 foram identificados impactos na renda agregada (PIB) do litoral da ordem de R$ 10,34 bilhões, valor que representa 11,44% do PIB contrafactual dos cinco municípios do litoral adjacente. Esses resultados de avaliação de impactos à renda agregada foram baseados em análise de inferência causal e estimação de cenários contrafactuais (método de controle sintético).

A renda agregada de uma região é o resultado da soma dos rendimentos de todos os fatores de produção. Seu valor é igual ao do Produto Interno Bruto (PIB) da região, mas a renda agregada representa a ótica da renda, enquanto o PIB é pela ótica da produção. Essa métrica pode ser interpretada como a capacidade de geração de riqueza local. Danos econômicos que perturbam a cadeia produtiva da região geram um arrefecimento da economia reduzindo o emprego total e a renda agregada da região.

População e PIB (R$ bilhões) de 2016

Fonte: elaboração própria (2021) a partir de dados do IBGE. Observação: Municípios do litoral adjacente: Aracruz (ES), Conceição da Barra (ES), Fundão (ES), São Mateus (ES) e Serra (ES).