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SAÚDE

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  • SAÚDE
    Pessoas atingidas perderam
    em média 2,39 anos de vida
Foto: José Cruz/Agência Brasil

O rompimento da Barragem de Fundão afetou a saúde e a qualidade de vida dos moradores dos 45 municípios atingidos, resultando na perda, em média, de 2,39 anos de vida para cada indivíduo nos territórios afetados. É o que aponta investigação realizada pela equipe do Projeto Rio Doce com base em dados de até 2021 do DATASUS, do Ministério da Saúde.
A análise comparou as taxas de incidência de doenças nos municípios atingidos com as de áreas não afetadas e mostra, ainda, que o desastre levou os habitantes dos municípios atingidos à exposição a efeitos ambientais, sociais e econômicos, assim como ao contato potencial com uma série de substâncias tóxicas provenientes dos rejeitos de mineração.

Metais pesados e os impactos do desastre sobre a saúde da população

O desastre liberou no meio ambiente mais de 44 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração, com contaminantes persistentes na natureza, já que não são decompostos por microrganismos. Isso leva a sua acumulação em diversos órgãos e tecidos de toda a cadeia alimentar, inclusive das pessoas expostas.

 

Além de exercerem efeitos tóxicos em praticamente todos os sistemas do corpo humano, metais pesados também são classificados como carcinógenos. Estas substâncias são extremamente tóxicas, mesmo quando presentes em concentrações muito baixas.

 

A lama espalhada pelo desastre era composta principalmente por:

 

Ferro

(mais de 12 milhões de toneladas)

Silício e Alumínio

(aproximadamente 400 mil toneladas)

Arsênio**

Cobre

Cromo**

Manganês

Zinco

Bário

Níquel

Cobalto

Chumbo**

Antimônio

Selênio

Estanho

Mercúrio**

** Considerados prioritários para a saúde pública devido ao seu alto grau de toxicidade.

 

Informações levantadas e arte criada pelo instituto LACTEC

 

Esses metais podem causar uma série de danos, alguns dos quais irreversíveis, como:

Transtornos do desenvolvimento ósseo

Agravos ao sistema nervoso

Problemas no desenvolvimento cognitivo

Alucinações

Tremores musculares

Paralisia

Agravos renais

Agravos respiratórios

Problemas de pele

Alterações metabólicas

E mais uma vasta quantidade de sintomas e doenças

O diagnóstico também indicou que as doenças respiratórias, diversos tipos de câncer, os transtornos mentais e a violência foram responsáveis por uma parcela muito expressiva dos agravos identificados. E recomenda a realização de novos estudos entre os atingidos para analisar os efeitos de longo prazo dos impactos de saúde identificados.

Como foi feito o diagnóstico de Saúde para os municípios atingidos

Mapa de localização dos municípios controle MG e ES

Os resultados obtidos indicam que, nos municípios atingidos, houve uma piora na saúde quando comparadas as situações pré e pós-rompimento da Barragem de Fundão, em relação aos municípios controle utilizados na análise.

 

Os dados são resultado de um levantamento das condições de saúde de uma população de aproximadamente 2,2 milhões de pessoas, em 45 municípios, que foi exposta aos efeitos de um desastre a partir de informações presentes em bancos de dados do Ministério da Saúde. Esses dados representam as condições de saúde a partir dos registros das informações obtidas nas consultas ambulatoriais e hospitalares nos municípios atingidos.

 

Foram analisadas as incidências de agravos e doenças registradas em quatro bancos do Sistema de Informações em Saúde em dois eixos comparativos, um temporal (antes e depois do desastre) e um utilizando grupos de comparação:

• SIA (sobre informações coletadas a partir de dados de atendimentos ambulatoriais)

• SIH (sobre informações coletadas a partir de dados de hospitalizações)

• SINAN (sobre informações de agravos de notificação compulsória — doenças infectocontagiosas e violência)

• SIM (banco de informações sobre mortalidade).

 

Avaliação mostra crescimento na incidência de agravos

Foram estudadas as séries temporais para todos os agravos do Código Internacional de Doenças (CID- 10) entre 2005 e 2019. Isto resultou na análise de 5.123 doenças para as quais foram analisadas as séries temporais e as incidências cumulativas antes e depois do rompimento da barragem para as populações atingidas e as de controle, assim como as razões de incidências e as razões de diferenças. Todas as condições de saúde foram avaliadas por um período de, pelo menos, 12 anos, permitindo uma comparação temporal de pelo menos oito anos antes e quatro anos depois do desastre.

 

A lista abaixo apresenta as doenças que tiveram registro de aumento de risco após o desastre:

Algumas doenças infecciosas e parasitárias

(Capítulo 1 do CID-10)

Aumento de quase 60% para atingidos após o rompimento da barragem, ante a menos de 20% para os municípios controle.

Neoplasias (tumores)

(Capítulo 2 do CID-10)

Aumento de mais de 40% dos casos de neoplasias para as populações atingidas pelo rompimento, em comparação com os grupos controle, que também tiveram aumento de 20%.

Doenças do sangue e dos órgãos hematopoiéticos e alguns transtornos imunitários

(Capítulo 3 do CID-10)

Incidência maior de número de casos registrados nos municípios atingidos em comparação aos controles em 27 agravos. As diferenças mais significativas foram em anemia por deficiência de ferro, anemia por deficiência de proteínas, anemia em outras doenças, e outros quatro tipos de anemias.

Algumas doenças infecciosas e parasitárias

(Capítulo 1 do CID-10)

Aumento de quase 60% para atingidos após o rompimento da barragem, ante a menos de 20% para os municípios controle.

Doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas

(Capítulo 4 do CID-10)

Aumento de 30% da incidência acumulada depois do rompimento para os atingidos em comparação ao período pré-desastre, enquanto os controles diminuíram em um valor equivalente (menos 30%).

Transtornos mentais e comportamentais

(Capítulo 5 do CID-10)

Aumento da incidência acumulada depois do rompimento nos municípios atingidos de 27% ante 20% de aumento para os municípios controle.

Doenças do sistema nervoso

(Capítulo 6 do CID-10)

Diagnósticos relacionados com meningites e encefalites tiveram aumentos consideráveis nas razões de incidência de 1.8 a 84 vezes a mais de casos registrados nos municípios atingidos após o desastre em comparação com os anos prévios.

Doenças do olho e anexos / Doenças do ouvido e da apófise mastóide

(Capítulos 7 e 8 do CID-10)

Aumento da incidência acumulada depois do rompimento para os atingidos de aproximadamente 45% contra menos de 15% para os municípios controle.

Doenças do aparelho circulatório

(Capítulo 9 do CID-10)

Doença Cardíaca Hipertensiva Com Insuficiência Cardíaca (congestiva) teve um aumento nos atingidos de 68%, enquanto diminuiu nos controles no mesmo período de comparação. Diversos tipos de infartos também apresentaram aumento das incidências cumulativas nos atingidos em comparação aos controles.

Doenças do aparelho respiratório

(Capítulo 10 do CID-10)

Aumento importante da incidência acumulada depois do rompimento nos municípios atingidos – quase de 160 vezes para atingidos em comparação com menos de 20 para os controles.

Doenças do aparelho digestivo

(Capítulo 11 do CID-10)

Diferença pequena na variação entre municípios atingidos e usados como controle, com maior magnitude para os atingidos.

Doenças da pele e do tecido subcutâneo

(Capítulo 12 do CID-10)

Leve aumento de incidências no grupo de municípios atingidos e uma diminuição para os controles. No total, houve registro de aumento de 3% entre os atingidos e queda de 6% entre os controles.

Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo

(Capítulo 13 do CID-10)

Aumento significativo no total de casos de câncer nos municípios atingidos, quando comparados com os municípios controles.

Algumas afecções originadas no período perinatal

(Capítulo 16 do CID-10)

Aumento de incidência de 108% e 102%, respectivamente, para municípios atingidos e controles, nas comparações entre antes e depois do rompimento da barragem. Dois agravos pioraram de forma mais sensível nos atingidos após o rompimento da barragem: recém-nascidos com muito baixo peso ao nascer e recém-nascidos pré-termo.

Sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório não classificados em outra parte

(Capítulo 18 do CID-10)

Aumento de quase 260% nos municípios atingidos na comparação com os próprios atingidos antes do desastre e aumento de 250% na comparação com grupos controles.

Lesões, envenenamentos e algumas outras consequências de causas externas

(Capítulo 19 do CID-10)

Aumento de mais de 160% dos casos nos municípios atingidos após o desastre, frente a 40% nos municípios controles.

Causas externas de morbidade e de mortalidade

(Capítulo 20 do CID-10)

Aumento de mais de 120% nos municípios atingidos, frente a 40% nos municípios controles.

Fatores que influenciam o estado de saúde e o contato com os serviços de saúde

(Capítulo 21 do CID-10)

Aumento de mais de 140% na incidência nos municípios atingidos, frente a 40% nos municípios controles.

Principais agravos achados na avaliação dos bancos de dados SINAN (Sistema de informação Agravos de Notificação)

A mineração de dados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação permitiu a elaboração de séries temporais anuais entre os anos 2005 e 2019 para a população dos 45 municípios atingidos analisados de forma agregada e os 100 municípios escolhidos como controles utilizados neste trabalho. Doenças e agravos à saúde que tiveram aumento de registros no Sinan após o rompimento:

Violência

Agravos relacionados à violência registrados após o rompimento da Barragem de Fundão para os municípios atingidos: abuso sexual, agressão por meio de um objeto contundente, agressão por meio de força corporal, agressão sexual por meio de força física, exame e observação após alegação de estupro e sedução, problemas nas relações com cônjuge ou parceiro e comportamento sexual de alto risco, violência psicológica e moral, violência econômica e financeira.

A população feminina, nos municípios atingidos, experimentou, no período, um aumento de 171,6% frente a aumentos muito mais exíguos quando comparamos com o grupo controle (20,4%).

Leishmaniose tegumentar americana (LTA)

Aumento de 90% para atingidos após o rompimento da barragem, em comparação a menos de 10% na mesma comparação para os municípios controle.

Intoxicação exógena

Aumento a partir de 2015 até 2017 para atingidos; já os controles apresentam uma redução de casos na diferença entre antes e depois do desastre.

Acidentes com animais peçonhentos

Aumento dos casos registrados após o rompimento da Barragem de Fundão, para ambas as populações – atingidos e controles. As diferenças em atingidos alcançam 20% e quase o dobro na população de controles no mesmo período.

Nota sobre metodologia

Calculando anos de vida perdidos por conta do desastre

O indicador escolhido para analisar os impactos do desastre na saúde da população atingida é o DALY (Disability Adjusted Life Year — Anos de Vida Perdidos Ajustados por Incapacidade).

 

Os DALYs combinam os anos potenciais de vida perdidos com os anos vividos com incapacidade dentro do processo de adoecimento para qualquer doença. Sua principal utilidade é nos estudos de carga de doença, em que o indicador permite aferir as perdas de saúde de uma população representando conjuntamente a mortalidade prematura (segundo expectativa de vida dessa população) e a incapacidade associada ao padecimento de determinado conjunto de doenças ou agravos que afetam a população.

 

Esta medida considera a expectativa e vida de uma população e a qualidade de vida nesses anos, considerando uma população ideal. A mortalidade prematura (em média) provocada por certas doenças ou o adoecimento provocado por conviver com uma doença crônica são levados em consideração para concluir os anos de vida perdidos ajustados por incapacidade. Essas perdas, em anos de vida saudável, são exatamente o que o DALY quantifica. Trata-se de uma medida resumo, que incorpora os impactos de eventos fatais e não fatais de forma combinada.

Nesse tipo de estudo, um DALY equivale a um ano de vida saudável perdido por incapacitação e é calculado pela soma de duas parcelas: o YLL (Years of Life Lost — Anos de Vida Perdidos por Morte Prematura), que é o componente da mortalidade, e o YLD (Years Lost due to Disability — Anos de Vida Perdidos devido à Incapacitação), o componente de morbidade.

A investigação seguiu o modelo de estudos denominados de Carga de Doença —Global Burden of Disease (GBD)—, que apresenta um esforço sistemático para quantificar a magnitude comparativa da perda de saúde devido a doenças, lesões e fatores de risco por idade, sexo e geografia para pontos específicos no tempo em praticamente todas as regiões do mundo. Este tipo de estudo permite evidenciar mudanças nos padrões de adoecimento e mortalidade em um determinado local geográfico em certo momento no tempo.

Foram calculados os anos de vida perdidos por incapacitação para todos os agravos identificados a partir da avaliação de riscos da população atingida de adoecimento, a partir da comparação com municípios controle, que não passaram pelo desastre. Assim, utilizamos os seguintes parâmetros (epidemiológcos):

● Razão de risco atribuível (ao rompimento da barragem),

● Razão de incidências acumuladas após e antes do desastre, para atingidos e controles, e

● Coeficiente de plausibilidade (que expressa o grau de pertinência dos agravos analisados ao conjunto de condições de saúde plausivelmente associadas ao rompimento da barragem, com base em evidências científicas previamente demonstradas considerando a exposição a desastre e efeitos à saúde resultantes da contaminação por elementos químicos --principalmente metais pesados-- e compostos tóxicos).

Na avaliação dos quatro bancos de dados do Ministério da Saúde, foram identificados 2.172 agravos com incidências cumulativas, após o desastre, maiores para os municípios atingidos do que para os controles. Foram descartados todos os agravos com risco atribuível menor a zero, assim como aqueles não potencialmente relacionados ao rompimento da barragem, resultando em 1.415 diagnósticos -os quais tem maior risco para os municípios atingidos. Isto quer dizer que um pessoa que mora em um município atingido tem maior risco de apresentar esses diagnósticos do que uma pessoa que mora fora de esses territórios.

O calculo de todos os DALYs para a população brasileira (533.108,17) considerando essas 1.415 doenças, dividida pela população brasileira e subtraída do valor calculado na situação contrafactual (o seja, nos municípios de comparação, que não sofreram o desastre, que é de 0,17), oferece o valor final de Anos de Vida Perdidos por Incapacidade em média, sofridos pela população dos municípios atingidos pelo rompimento da Barragem de Fundão, totalizando 2,39 anos.

Medidas para garantir a saúde dos atingidos

Considerada a demora na resposta e na reparação dos danos à saúde decorrentes do desastre do rompimento da Barragem de Fundão, algumas medidas devem ser adotadas e revisadas semestralmente para garantir o atendimento em saúde adequado até que se conclua o diagnóstico dos danos em saúde com base nos estudos toxicológicos e epidemiológicos e os estudos de avaliação de risco à saúde humana.

Essas medidas visam garantir:

● Vagas para internações, leitos, consultas e outras nos estabelecimentos de saúde

● Existência de unidades de atendimento e de cuidados de saúde em quantidade suficientes

● Disponibilidade de médicos e demais profissionais da saúde em quantidade suficiente para atender as demandas do território

● Disponibilidade de profissionais voltados ao atendimento na área da saúde mental em quantidade suficiente para atender as demandas do território

● Disponibilidade de médicos de distintas especialidades que dialoguem com as necessidades dos territórios

● Suprimento da demanda de medicamentos essenciais no território

● Disponibilidade de bens e materiais necessários para a prestação do serviço integral de saúde nos estabelecimentos de saúde

● Existência de planos, ações e programas em saúde que sejam adequados às necessidades específicas do município demonstradas em estudos técnicos de saúde

Aumento dos gastos em saúde associados ao desastre

O rompimento da Barragem de Fundão acarretou um aumento dos gastos de saúde nos 45 municípios atingidos. O cálculo dos repasses para esses agravos específicos resultou nos seguintes valores aproximados:

 

● R$ 300 milhões por ano para o SIA (Sistema de Informações Ambulatoriais) e SIH (Sistema de Informações de Hospitalizações)

● R$ 1 bilhão/ano para o Siops (Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde) Estes valores devem ser considerados como valores mínimos a serem ressarcidos aos cofres públicos pelas empresas responsáveis pelo rompimento da Barragem de Fundão.

 

Esta investigação buscou obter estimativas aproximadas dos gastos públicos com atendimento primário e internações hospitalares nos 45 municípios atingidos pelo desastre, especificamente com aqueles agravos associados ao desastre.

O estudo identificou os gastos relacionados à parcela de agravos e doenças associados ao rompimento da Barragem de Fundão do total registrado nos bancos SIA, SIH e SIOPS do DATASUS e extrapolar essa parcela de gastos (associados às doenças relacionadas ao rompimento da barragem) para os próximos 15 anos, cobrindo o período de 2016 a 2036.

 

A porcentagem de agravos associados ao rompimento da barragem em relação ao total de agravos registrados nos municípios atingidos passou de, em média, 27,17% do total de acometimentos de saúde da população no período anterior ao desastre (2008 a 2015) para, em média, 49,58% no período após o rompimento (2016-2019).

 

Assim, o aumento de gastos associados com saúde representou em média para os anos pós-desastre — 2016 a 2019 — 48 e 42% do total de registros identificados no SIA e no SIH.